Em estágio na Europa, Deivid dispara: "Dirigentes também deviam estudar"

domingo, 4 de setembro de 2016

É comum, depois do 7 a 1 na Copa de 2014, a ida de treinadores brasileiros à Europa em busca de conhecimento. Muricy Ramalho, Roger Machado, Vagner Mancini, Dorival Junior... todos viajaram para estudar, procurando renovação. Deivid, que foi demitido do Cruzeiro em maio deste ano, chegou ao velho continente em 12 de agosto, querendo descobrir o que tinha feito de certo e errado no comando do clube mineiro. Chegou à conclusão de que não houve equívocos em sua passagem pela Raposa, e se encantou com a forma europeia de trabalhar. 

Segundo ele, as diferenças se resumem a três palavras: metodologia, organização e intensidade. O ex-atacante passou por Real Madrid, Lyon e Fenerbahçe nos últimos dias, e não acredita que haja discrepância em relação a nível de treinamento entre Brasil e Europa, apesar de ver um esforço maior dos jogadores na hora das atividades. A grande mudança, na realidade, se daria na maneira como dirigentes estruturam o clube, dando mais tempo e conforto para que técnicos e atletas exerçam seus trabalhos com tranquilidade, sem imediatismo.
- O Brasil não está muito longe do que eles pensam sobre futebol. O que eles têm aqui é uma organização, uma metodologia. O presidente do Lyon trocou de treinador duas vezes em 28 anos. Eles têm uma organização convicta do que estão fazendo. Então dá para você trabalhar com confiança, desde o planejamento até a parte final - disse, em entrevista por telefone ao GloboEsporte.com.
Deivid já havia feito uma série de estágios pelo Brasil, e afirma estar estudando para a função há pelo menos "quatro, cinco anos". Foi auxiliar técnico de Vanderlei Luxemburgo no Flamengo, em 2014, e no Cruzeiro, em 2015. No início deste ano, recebeu convite para comandar em definitivo a Raposa, mas só durou até maio, após eliminação na semifinal Campeonato Mineiro para o América-MG e, em sequência, demitido. O aproveitamento, no entanto, foi positivo: em 17 jogos, teve 10 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas (68,6% dos pontos disputados).
A passagem pela Europa só reforçou o que Deivid já tinha em mente. O ex-jogador acredita não ter feito nada de errado em sua passagem pelo clube de Minas. Na sua opinião, a saída foi resultado de um imediatismo inato na forma de trabalhar dos dirigentes brasileiros, que precisam, assim como os treinadores, estudar.
- Depois do 7 a 1 começaram a dizer que o treinador tem que ir atrás do conhecimento, mas o dirigente também. Ele tem que fazer cursos, porque aí fica muito fácil colocar a culpa só no treinador. Você tem que ter uma metodologia, um conceito. Eu acho, sim, que temos que rever o futebol brasileiro, mas isso precisa valer para todas as partes. O imediatismo no Brasil é muito grande.
Confira abaixo os trechos mais interessantes da entrevista com o treinador:
Como tem sido a viagem pela Europa? Por onde passou primeiro?
Cheguei no dia de 12 de agosto. Conseguimos, pelos contatos, trocar informações de metodologia, conceitos de clube e ver que eles pensam sobre futebol. Está sendo muito legal. Primeiro ficamos uma semana no Real Madrid, eu e Daniel Felix, preparador que trabalho comigo no Flamengo. No Real, o Roberto Carlos (embaixador do clube) me mostrou como funciona a equipe profissional, quais seus métodos e objetivos, além de toda estrutura do clube. Tivemos também a oportunidade, através do professor Junior Calafat e do próprio Roberto, de ter uma aula de mais de três horas com o coordenador técnico das categorias inferiores, do profissional B ao sub-7, pela qual pudemos conhecer a fundo toda a linha de pensamento de formação e como é integrado o treinamento em cada categoria.
E depois?
Depois fomos para o Lyon, e ficamos completamente dentro do processo da mesma maneira. O Claudio Caçapa e o Cris (ex-jogadores e coordenadores de categorias de base do time francês) nos mostraram detalhadamente como funciona o clube. Vimos todos os treinos e jogos, e trocamos ideia com os membros da comissão técnica do profissional e alguns atletas, como o Rafael. O Caçapa ficou dias nos passando tudo, desde como são analisados os adversários, passando pela estrutura tecnológica usada no clube e os conceitos de treinamento que ele aprendeu não só com a experiência como auxiliar técnico da casa, mas também todo conhecimento que adquiriu no curso da Uefa. O Cris está nos mostrando detalhadamente o que acontece nas divisões de base do Lyon, já que ele é o treinador da sub-19. Agora estamos na Turquia com o Fenerbahçe, conhecendo a metodologia do treinador holandês Dick Advocaat. Conversei com os membros do clube e outras pessoas. Depois vamos para Portugal. Estou conversado com o Deco para ver o Porto, com uns amigos meus do Estoril e tenho falado com meu treinador da época de Sporting, José Peseiro, que está no Braga.
Deu até entrevista na Turquia?
Sim, para uma rede de TV daqui, a Lig TV, do Campeonato em que eu joguei na época de Fenerbahçe. Todas as vezes que eu venho para cá, eles me entrevistam.
Acha que vai virar uma tendência a ida de treinadores brasileiro para fazer estágio na Europa?
Eu acho que é sempre válido ir atrás de conhecimento, aprender. Eu sempre gostei disso. Aprendo com a minha filha de seis anos. Essa já era uma ideia minha: quando eu parasse de jogar futebol, ficar dois anos me preparando. Ir para Europa, ficar de um mês ou dois conhecendo os clubes. Depois da minha saída do Cruzeiro ficou mais fácil de fazer isso. Queria rever onde eu errei, onde eu acertei, se meus conceitos sobre o futebol estavam certos. Quando eu saí, a oportunidade se abriu.
No que errou?
Eu vejo que eu não errei nada. Tive aproveitamento muito bom para quem tinha acabado de começar a carreira como treinador. Eu vinha estudando há uns quatro ou cinco anos para quando surgisse essa oportunidade. E eu consegui fazer um grande trabalho. Infelizmente, como no Brasil o imediatismo é muito grande, você não consegue terminar seu trabalho.
Acha que o Brasil tende a mudar em relação a isso?
Sim. Se você quer sucesso, vencer, o maior exemplo é o Corinthians. A maior vitória foi quando o Andrés Sanchez, em 2011, permaneceu com o Tite depois da derrota na pré-Libertadores. Ele bateu o pé e dizer que o Tite ia permanecer. Aí depois vieram os resultados. Foi uma coisa pensada, organizada, que teve metodologia.
*Estagiário sob a supervisão de Thiago Dias

0 comments

Postar um comentário