Predestinado e moleque' do Cruzeiro: Joãozinho descreve conquista histórica da Libertadores'76

sábado, 30 de julho de 2016

Atacante não se considera herói e diz que quase foi expulso da delegação celeste

Um dos lances mais memoráveis e importantes da história do Cruzeiro poderia se resumir de duas formas quase antagônicas. O gol de Joãozinho, que deu ao clube celeste a taça da Libertadores de 1976, foi descrito como 'desejo divino' e 'molecagem', entre outras formas. A primeira conquista internacional da Raposa completa 40 anos neste sábado, e o atacante (ponta-esquerda) lembra com emoção tudo o que cercou um ano mágico e também trágico para a nação cruzeirense.

Como em um filme em que o roteiro segue de trás para frente, a memória dos torcedores – quase sempre – se recorda do gol que deu o título da América ao Cruzeiro. O lance também gerou uma confusão nos vestiários, após a conquista, que só não terminou em agressão física pela intervenção do vice-presidente do clube, Carmine Furletti. Joãozinho, conhecido como o Bailarino da Toca, destacou o fato marcante e também comentou sobre o caminho e a importância da conquista, assim como lembrou do saudoso companheiro Roberto Batata. 

Terceiro jogo da final contra o River Plate empatado em 2 a 2, aos 42 minutos do segundo tempo. Falta para o Cruzeiro na entrada da área. Todos no Estádio Nacional, no Chile, esperam uma cobrança de Nelinho. O árbitro e os adversários estão concentrados no lateral celeste, que era o batedor oficial da equipe. Joãozinho, então com 22 anos, não só ignorou o companheiro, descrito pelo próprio atacante como o melhor cobrador de faltas no mundo, como também passou por cima das ordens do comandante azul, Zezé Moreira.

“Eu tive maior sorte do mundo, sou um predestinado por Deus. Ninguém esperava que eu batesse aquela falta. Mas eu estava ligado no jogo. Eles tinham empatado batendo uma falta sem que o juiz apitasse. Reclamamos e ele deu o gol mesmo assim. Quando vi todo mundo preocupado com o Nelinho, o goleiro olhando dele para a barreira, o juiz também, (…) não tive dúvidas. O Nelinho tinha me falado que se passasse por cima da cabeça do terceiro homem da barreira, era praticamente gol. Acho que, mesmo que o goleiro estivesse preparado, teria sido gol de qualquer forma”, conta Joãozinho, que lembra da comemoração de todo o time, assim como da 'bronca' do treinador.

Irmão do antigo treinador da Seleção Brasileira, Aymoré Moreira, Zezé era descrito pelos jogadores como linha-dura, bruto, bravo e até carrancudo. Mesmo com o título em mãos, o técnico celeste, ainda com a cabeça no jogo, cobrou Joãozinho pela atitude no gramado e ameaçou o jogador de não voltar com a equipe para Belo Horizonte.

“O pior foi depois. Vibramos, demos volta olímpica, rezamos e o Piazza ofereceu a conquista para o Batata. Dentro do vestiário, o Zezé veio pra cima de mim. Tudo para ele era muito certinho, nos mínimos detalhes. Me chamou de moleque, irresponsável, falou que eu não poderia ter feito aquilo, que nunca tinha treinado e que era o Nelinho quem deveria bater a falta. Disse que eu não ia voltar com a delegação, que não poderia ter feito aquilo e então outros jogadores e o Furletti entraram no meio. No hotel a gente conversou e ele, mais calmo, aceitou e ficou tudo bem.”
A conquista da América

Campeão estadual e vice nacional de 1975, o Cruzeiro começou a Libertadores enfrentando um dos maiores rivais da época. O Internacional havia ganhado o Brasileiro em cima do time mineiro e a estreia no torneio continental foi logo entre os brasileiros. No Mineirão, 5 a 4 para a Raposa, em uma das melhores partidas já disputadas no Gigante da Pampulha.

“Todo mundo que eu converso daquela época diz que sabe a nossa escalação. Também dizem que aquele jogo (Cruzeiro 5 x 4 Internacional) foi o melhor que o Mineirão já viu. Cheio de ótimos jogadores, eram dois timaços. Tínhamos perdido o Brasileiro e já a primeira na Libertadores foi contra eles. Foi muito importante, nos deu força e começamos à mil, com o pé direito”, relembra Joãozinho, que aponta a conquista como um impulso para o clube.

“Foi uma arrancada do Cruzeiro para ser reconhecido internacionalmente. O time já era bastante conhecido, mas vieram mais contatos, torneios em outros continentes e oportunidades para os jogadores em outros bons clubes. Temos que reconhecer que não foram só os jogadores. Foi um conjunto, com a diretoria, o presidente e todas as pessoas que trabalhavam lá naquela época”, define o atacante.

Memórias de Roberto Batata

Em 1976, as páginas imortais guardavam um capítulo trágico na história do Cruzeiro. O atacante Roberto Batata, então com 26 anos e um dos ídolos do clube, morreu em um acidente automobilístico no km 182 da Rodovia Fernão Dias, em Oliveira, a 150 quilômetros de Belo Horizonte. Um dos mais jovens do grupo, Joãozinho guarda o carinho do companheiro na memória.

“O Roberto Batata era nosso parceiro, um menino do bem, muito alegre. Todo mundo gostava dele, era um cara carismático. Ele era tudo de bom e a forma como aconteceu nos abalou bastante. O que aconteceu foi ruim demais, precisávamos dele”, comentou o Bailarino da Toca.

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