Nelinho

terça-feira, 26 de julho de 2016






Nelinho


Manoel Rezende Mattos Cabral cresceu jogando nas peladas da Boiada da Penha, entre os bairros Olaria e Penha, no Rio de Janeiro. Havia tantos campos no lugar que, às vezes, faltavam garotos para completar os times. Nesses dias, jogava-se em duplas com dois garotos de cada lado revezando-se nos chutes a gol. Foi assim que o futuro craque celeste descobriu e aperfeiçoou a capacidade inata para o chute. Caprichou na pontaria, aprendeu a colocar efeito na bola e fez desse fundamento sua principal virtude.

Durante a carreira, Nelinho continuou se aprimorando. Os colegas iam embora, mas ele ficava na Toca da Raposa. Com a ajuda dos goleiros das divisões de base, continuava, literalmente, no batente. Às vezes, exagerava. Certa vez, o cozinheiro da Toca teve que levar o almoço do goleiro na beira do campo, porque Nelinho não parava de chutar. Mais tarde ele copnfessaria:

* “Tenho consciência de que apareci muito pelos gols que fazia, principalmente os de falta. Se fosse somente pela minha técnica e minhas qualidades como marcador e apoiador, talvez nunca chegasse à Seleção Brasileira.”

Mas o que fazia Nelinho, antes de bombardear goleiros na Toca da Raposa? Era um andarilho do futebol. Começou nos juvenis do Bonsucesso, profissionalizou-se no Olaria, jogou no América carioca, Vitória de Setúbal, Anzoategui, da Venezuela, e Clube do Remo. Foi lá que, em 1972, Carmine Furletti o descobriu numa partida do Campeonato Nacional.

Remo 2×2 Cruzeiro, domingo, 03dez72, Estádio Evandro de Almeida, Belém, 1ª fase do Campeonato Nacional de 1972 – Renda: Cr$86.482,00 – Juiz: Agomar Martins (RS) – Gols: Eduardo Amorim, 6, Caíto, 10, Roberto, 45 do 1º tempo; Zé Carlos, 36 do 2º – Remo: Dico, Nelinho, Mendes (Valdemar), Dutra e Cuca; Silva e Tito; Copeu, Caíto (Hertz), Roberto e Peri. Tec: Thym François / Cruzeiro: Raul Plassmann, Pedro Paulo, Morais (Darci Menezes) Fontana e Vanderley Lázaro; Wilson Piazza, Zé Carlos e Dirceu Lopes; Eduardo Amorim, Roberto Batata e Rinaldo (Lima). Tec: Ílton Chaves.

Em 1973, ele se apresentou na Toca e foi logo mostrando serviço. Estreou na segunda partida da temporada, tomando, definitivamente o lugar do titular Lauro e do reserva Pedro Paulo, que foi jogar no Náutico.

Cruzeiro 2×0 Valeriodoce, quarta-feira, 24jan73, Mineirão, Taça Minas Gerais – Público: 5.167 – Renda: Cr$26.195,00 – Juiz: Lourival Felix – Gols: Roberto Batata, 28 do 1º tempo e 19 do 2º – Cruzeiro: Hélio, Nelinho (Lauro), Morais, Miro e Vanderley Lázaro; Souza, Zé Carlos e Eduardo Amorim, Roberto Batata, Rinaldo (Baiano) e Lima. Tec: Ílton Chaves / Valeriodoce: Manga, Dodô, Paulo, Nelson Torres e Nelson Souza; Valter e Wilson Almeida (Adílson); Lucinho, Roberto, Maneca e Cláudio. Tec: Vicente Lage, o 109.

Percebendo que o Cruzeiro tinha contratado um reserva bom de bola do Remo, os cartolas do Atlético mandaram buscar Aranha, o titular do clube azulino de Belém. Pra eles, era elementar: se o reserva era bom, o titular devia ser ainda melhor. Enganaram-se, como sempre. Aranha desapareceu, enquanto Nelinho conquistou quatro campeonatos mineiros e uma Libertadores vestindo a camisa do Cruzeiro em 410 partidas nas quais fez 105 gols. Será que algum outro jogador de defesa marcou tantos?

Um deles está na história do Mineirão. Foi contra o Boca Juniors, no jogo de volta da decisão da Libertadores de 1977. Faltavam 12 minutos para o fim, quando o juiz apitou falta na intermediária. Gatti mandou abrir a barreira e Nelinho chutou com tanto efeito que a bola fez duas ou três curvas antes de chegar às redes. O treinador Yustrich não se conteve. Invadiu o gramado para abraçar o lateral. Três dias depois, o Cruzeiro empataria por 0×0, em Monetevidéu, com o time argentino e perderia o título nos pênaltis (4×5). Mas a imagem do gol correu o mundo.

Cruzeiro 1×0 Boca Juniors, domingo, 11set77, Mineirão, 2ª partida da final da Copa Libertadores 1977 - Público: 52.842 pagantes, 60.000 presentes - Renda: Cr$3.025.090,00 – Juiz: César Orosco (Peru) – Gol: Nelinho, 33 do 2º tempo – Cruzeiro: Raul Palssmann; Nelinho, Morais, Darci Menezes e Vanderley Lázaro; Zé Carlos, Eduardo Amorim e Eli Carlos (Lívio Damião); Eli Mendes, Neca e Joâozinho. Tec: Yustrich / Boca Juniors: Gatti; Pernía, Tezare, Mouzo e Tarantini; Ribol, Suñe e Zanabria; Mastrángelo, Veglio (Pavón) e Felman (Ortiz). Tec: Juan Carlos Lorenzo.

Nesse ano, ele foi um dos protagonistas da maior decisão da história do Campeoanto Mineiro. Após vencerem a primeira partida da melhor-de-três decisiva por 1×0, os emplumados davam como certo omtítulo. Mas o Cruzeiro venceu as duas decisivas por 3×2 e 3×1 com aulas de futebol ministradas por Nelinho. Nas duas, ele fez cruzamentos milimétricos, que destroçaram a defesa emplumada e permitiram ao centroavante uruguaio, Revetria, inscrever seu nome na história do Cruzeiro.

Cruzeiro 3×1 Atlético-MG, domingo, 09out77, 16h, Mineirão, 3ª partida da melhor-de-três da decisão do Campeonato Mineiro de 1977 – Público pagante: 122.534 – Renda: Cr$4.194.550,00 – Juiz: Márcio Campos Sales (SP) – Bandeiras: Raimundo Divino e Paulo Sanches (MG) – Gols: JRLima, 35, do 1º tempo; Revétria, 27, do 2º; Lívio Damião, 7, e Joãozinho, 14, do 2º tempo da prorrogação – Cruzeiro: Raul Plassmann, Nelinho, Zezinho Figueroa, Darci Menezes e Vanderlei Lázaro; Flamarion, Valdo (Eli Carlos) e Erivelto; Eduardo Amorim, Hebert Carlos Revétria (Lívio Damião) e Joãozinho. Tec: lustrich. / Atlético-MG: Ortiz, Alves, Márcio Gugu, Vantuir Galdino e Dionísio; Toninho Cerezo, Danival (Heleno) e Paulo Isidoro (Marcinho); Marinho, JRLima e Marcelo

Mas suportar o autoritarismo do treinador Yustrich era pra poucos. Entre os quais Nelinho não se incluía. Os dois se desentenderam e o lateral quis voltar ao futebol carioca. O Cruzeiro não permitiu. Nelinho ameaçou ficar parado até ganhar o passe e tomar o rumo que bem entendesse. Situação contornada, ele voltou ao elenco. Mas o time, em transição, já não lhe permitia brilhar tanto.

Ainda assim, ele foi convocado pelo Capitão Cláudio Coutinho para a Copa de 1978 e aproveitou a oportunidade pra entrar para história do maior torneio de futebol com um golaço. Foi contra a Itália, na disputa pelo 3º lugar. Ele acertou um chute de curva, do bico da área, pelo lado direito e a bola entreou do aldo esquerdo de Zoff. Um gol pra qualquer lista dos mais bonitos de todos os tempos. Nelinho jogou 2 copas, vestiu 21 vezes e marcou 6 gols com a camisa da Seleção Brasileira.

Brasil 2×1 Itália, sábado, 24jun78, 15h, Estádio Monumental de Nuñes, disputa doi 3º lugar da Copa dpo Mundo de 1978 – Público: 69.659 – Juiz: Abrahan Klein (Israel) – Gols: Causio,38 do 1º tempo; Nelinho, 19, Dirceu, 27 do 2º - Brasil: Leão, Nelinho, Oscar, Amaral e Rodrigues Neto; Toninho Cerezo (Roberto Rivellino), Batista e Jorge Mendonça; “Bufalo” Gil (Reinaldo), Roberto Dinamite e Dirceuzinho. Tec: Cláudio Coutinho / Itália: Dino Zoff, Antonio Cabrini, Antonello Cuccureddu, Claudio Gentile e Gaetano Scirea; Patrizio Sala, Aldo Maldera e Giancarlo Antognoni (Claudio Sala); Franco Causio, Paolo Rossi e Roberto Bettega. Tec: Enzo Bearzot.

Durante a carreira, ele atuou nas duas alas, na ponta-direita e em todas as posições do meio de campo. No Cruzeiro, foi sempre lateral-direito. Era ídolo, mas brigou com o treinador Ìlton Chaves e foi para o Grêmio, pelo qual conquistou o Campeonato Gaúcho de 1980. Em matéria para o Estado de Minas (28set05) , Eugênio Moreira conta:

* “Em setembro daquele ano, os jogadores cruzeirenses reclamavam do tratamento que recebiam da comissão técnica. O treinador Ílton Chaves havia apontado maus profissionais no grupo: ‘Chupa-sangue, que prejudica o companheiro e o clube’. Em reunião na manhã do dia 9, o zagueiro Marquinhos pediu-lhe que citasse nomes e acabou por ouvir o seu. Ao contestar, foi expulso. Em solidariedade, Nelinho também abandonou a reunião. E, no treino da tarde, recusou-se a atender às ordens do comandante. O zagueiro foi suspenso por 10 dias e o lateral, por 5. ‘Não jogo mais com o Ílton’, anunciou o craque. No dia 25, o Estado de Minas anunciava, em manchete: ‘Grêmio terá Nelinho até o fim do ano’. Na negociação, o Cruzeiro comprou o passe do atacante Jésum e conseguiu o empréstimo do lateral-direito Mauro, ex-Guarani. ‘No Grêmio, vou ter o que hoje me falta no Cruzeiro e no futebol mineiro: motivação’. Só de falar que vou embora, já estou mais motivado, tranqüilo e confiante”, declarou o jogador, que tinha 30 anos. O lateral também ainda sonhava em voltar à Seleção Brasileira, pela qual disputara as Copas do Mundo de 1974 e 1978 e alguns amistosos, no início da era Telê Santana, em junho de 1980. ‘No Cruzeiro, na situação atual, dificilmente teria condições de voltar, ainda mais com o treinador que temos. No Sul, poderei jogar e recuperar a posição no time nacional.’”

A passagem pelo Rio Grande do Sul não o colocou, de novo, na Seleção. E, pior, em sua volta ele encontrou um Cruzeiro em péssima fase. Seus gols escassearam. Não havia mais atacantes como Palhinha, Dirceu Lopes, Eduardo Amorim, Roberto Batata ou Joãozinho recebendo seguidas faltas que ele tranformava em gols.

Com o desmonte do grande time dos anos 70, faltas e gols escassearam. Suas 52 derradeiras partidas pelo Cruzeiro, entre 1981 e 1982, foram conturbadas. Numa delas, contra o Atlético-MG, em novembro de 1981, ele brigou com o ponteiro Eder Aleixo e correu atrás do desafeto que, apavorado atravessou o gramado e se escondeu nos vestiários até a turma do deixa-disso acalmar o furioso lateral cruzeirense. O descontrole emocional levou o Cruzeiro terminar a partida com 8 jogadores e uma derrota de 2×0.

Daí em diante, o conflito com torcedores e dirigentes aumentou. Seus desafetos o acusavam de falta de entusiasmo. Diziam que suas subidas ao ataque requeriam uma cobertura especial inexistente pela falta de um bom centromédio. O clima ficou ruim. O rompimento aconteceu após a derrota por 1×0 para o Anapolina em 20 de março de 1982. O clube foi eliminado da Copa Brasil (nome do Campeonato Brasileiro à época) e o treinador Hercules Brito Ruas (zagueiro campeão mundial em 1970) foi substituído por Yustrich com quem Nelinho já havia brigado em 1977.

Ele conta como terminou sua história no Cruzeiro:

* “Yustrich já havia treinado o Cruzeiro e saiu falando mal de mim. Eu disse que não trabalharia mais com ele, mas o contrataram. Não fui eu que quis sair, eles é que não me quiseram mais. Eles queriam me vender e criaram um clima para eu sair. Fizeram o mesmo com o Tostão. Os dirigentes eram muito espertos e acabaram de bem com a torcida, dizendo que foram obrigados a me vender.”

Trocado pelo volante Geraldo e pelo lateral-esquerdo Hilton Brunis, revelados pelo Atlético-MG, Nelinho desembarcou no outro lado da Lagoa da Pampulha. Separação consumada, cada um tocou sua vida. O Cruzeiro descobrindo novos talentos como Carlos Alberto e Balu, que também ganharam títulos na Toca da Raposa. E ele esticando sua vida útil no futebol por mais 5 anos até se eleger deputado estadual e encerrar a carreira, que lhe valeu lugar nas seleções de todos os tempos dos rivais mineiros. No Cruzeiro, por títulos regionais, mas também por passagens pela Seleção em duas copas do mundo e um título continental. No rival citadino, apenas por modestas conquistas regionais.

Aposentado, Nelinho conta várias histórias de sua carreira, em programas de televisão. Jamais aos microfones da Rádio Itatiaia. Tudo por ter brigado com sua equipe de esportes em função de denúncias de jornalistas da emissopra. Segundo alguns deles, nas viagens, Seu Mané caia na gandaia. O lateral enfureceu-se, exigiu desculpas e avisou que contaria os podres de seus detratores. Nunca mais se falaram.

De outra vez, ele se preparava pra bater uma falta quando um colega mais entusiasmado implorou: “Mané, deixa esta comigo, tô confiante demais!” Nelinho cortou o papo: “Cara, se você que nunca treina conbranças está confiante imagine eu que treino todo dia. Sai pra lá!” E mandou bomba.

Em Poços de Caldas, antes de começar a partida, um jogador da Veterana avisou ao lateral: “Sou seu fã. Vou fazer umas faltas ali na frente da área pra te ver cobrar. Mas vê se capricha, hem? “ E fez várias, que Nelinho bateu com maestria pra alegria do beque e sofrimento do goleiro.

Na final da Libertadores de 1976, no Estádio Nacional, em Santiago, o Cruzeiro teve uma falta a favor, próximo à grande área, a cinco minutos do fim. Piazza quis rolar a bola pra Palhinha chutar. Nelinho pisou no pé do Capitão impedindo o desatino, pois tinha certeza de que estava diante da bola do jogo. Mas, enquanto os dois caciques discutiam, o moleque Joãozinho metou uma curva na bola, que cobriu a barreira e enganou Landaburu, goleiro do River. O desobediente ponta-esquerda deu ao lateral o maior título de sua carreira.

Em 2003, quando estava escrevendo o 1º volume do Páginas Heróicas, visitei Nelinho na academia de ginástica, dança e lutas, que ele fundou com sua mulher, a bailarina clássica Wania Bambirra, na Av. Uruguai, Sion, pra pedir uma entrevista. Ele não a negou, mas também nunca marcou uma data. O livro saiu sem o perfil dele. Mas eu fui atrás de suas histórias, que seus colegas de futebol e jornalistas contam aos montes. Estas são algumas delas.

A entrevista, bem, continuo esperando. Um dia sai. E com ela outras revelações da carreira do atacante que jogava na defesa.

* Livro: Páginas Heróicas, vol II

Esse post foi publicado de sábado, 24 de abril de 2010 às 4:13 pm, e arquivado em Comentários, Cruzeiro, Cultura, Miscelânea, Personagens. Você pode acompanhar os comentários desse post através do feed RSS 2.0. Comentários e pings estão fechados no momento.


Fonte: site PHD






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