Dida, um santo milagreiro

Dida, um santo milagreiro


Irará (BA), 07out73

Nelson de Jesus da Silva, o Dida, revelou-se no Vitória, pelo qual chegou ao vice-campeonato brasileiro em 1994, ano em que foi contratado pelo presidente César Masci para defender o arco do Mais Querido de Minas.

Tímido, ele não gostava de entrevistas, nem fazia marketing pessoal. Seu negócio era treinar e jogar. Foi um dos atletas mais dedicados da história do Cruzeiro.

Mas o que conta mesmo para a torcida foram os milagres e, na esteira deles, os títulos que levantou em sua passagem de 4 anos e 305 jogos pelo Cruzeiro.

Nesse período, foi campeão da Copa do Brasil em 96, das copas Masters e Ouro da Confederação Sulamericana, em 95, da Libertadores, em 97 e dos mineiros de 94, 96, 97 e 98. Para muita gente, ele foi o maior goleiro da história do clube.

Em 99, transferiu-se para o Milan, após se desentender com a direção do clube por questões contratuais. Do Milan, foi para o Corinthians e quando voltou ao Mineirão pela primeira vez, justamente para enfrentar o Cruzeiro, levou a maior vaia da história do estádio. Foram 90 minutos de perseguição implacável da galera celeste.

Sua reação foi de absoluta calma. No fundo, ele sabia que os torcedores estavam frustrados pela perda de um dos maiores ídolos da história do clube. Ídolo, não, mito.

Pra entender melhor os motivos que levaram a torcida a transformá-lo num mito, passo a palavra a alguns torcedores. Eles contarão defesas que jamais será esquecidas.

* Ismail Salles conta o Milagre do Maracanã: “Aconteceu no Cruzeiro 1×1 Flamengo, no Maracanã, pelas semifinais da Copa do Brasil de 96. Romário chutou da entrada da área e a bola desviou numa das dezenas de pernas que estavam entre ele e o goleiro e mudou de direção, ganhando altura. Aí aconteceu o improvável. Dida, que estava indo na direção original da bola, quando percebeu a mudança de trajetória, virou-se e mergulhou em direção ao próprio gol, conseguindo espalmá-la, de costas, sem vê-la. Um lance tão incrível, que eu gostaria de ter gravado para reprisar sempre. Às vezes, até me pergunto se o que vi foi real. Só sei que, do jeito que a cena ficou gravada na minha memória, acho que nunca voltarei a ver nada parecido. Nem aquela famosa defesa do Banks numa cabeçada do Pelé na Copa de 70 me pareceu tão difícil. Quando a revejo, sinto até um certo desprezo, porque tenho certeza de que ela não foi tão fantástica como a do Dida no Maracanã…”
* Pedro Santana conta o Milagre do Parque Antártica: “Aconteceu no Cruzeiro 2×1 Palmeiras que decidiu a Copa do Brasil, em 1996. Júnior, Djalminha e Luizão triangulam pelo lado esquerdo do ataque o Palmeiras até encontrarem uma brecha por onde Djalminha, passando por Gelson Baresi e Fabinho para chegar na pequena área, onde se prepara para marcar o gol. Só que Dida sai do gol para abafar o chute. Sem outra alternativa, Djalminha cruza a bola para o meio da área, onde Luizão acerta uma forte cabeçada que Fabinho salva em cima da linha. Nesse momento, Dida já está voltando para o gol ainda a tempo de defender uma bomba à queima-roupa de Reinaldo. O rebote cai nos pés de Cafu que torna a fuzilar o gol do Cruzeiro, mas, dessa vez, ela resvala em Célio Lúcio e Dida aparece para segurá-la com firmeza. Eram 20 minutos do segundo tempo e o narrador Sílvio Luiz berra a plenos pulmões: ‘milagre, milagre, milagre no Parque Antártica!’”
* Tadeu Santana conta o Milagre do Morumbi: “Aconteceu no Cruzeiro 1×1 Corinthians, segundo jogo das finais do Brasileiro de 1998. Marcelinho recupera uma bola em sua defesa e toca rápido para Edílson que, de primeira, lança o centroavante Didi, nas costas da defesa do Cruzeiro. O narrador Galvão Bueno se assanha todo:’Didi vai marcar, vai marcar, vai marcar um gol depois de 2 meses!’. Mas não marcou coisa alguma porque Dida saiu de encontro ao atacante, cheio de pernas e braços, parecendo uma aranha e a bola chutada com violência acertou seu joelho desviando-se do gol. Numa fração de segundo, o atacante teve a visão do gol completamente ofuscada pela agilidade do goleiro. Naquele lance, com apenas 6 minutos de jogo, o Corinthians, embora mais inteiro, mais descansado porque não estava enfrentado a maratona do Cruzeiro que disputava duas finais, a do Brasileiro e a da Mercosul, sentiu que o jogo seria complicado. E foi o que aconteceu…”
* Eduardo Santana conta o Milagre do Mineirão: “Aconteceu no Cruzeiro 1×0 Sporting Cristal, final da Libertadores de 1997. Jogo complicadíssimo porque o time peruano se fechou na defesa apostando num erro do Cruzeiro para marcar seu gol e decidir a Copa. Aos 20 do 2º tempo, Solano bate uma falta com violência e a bola toma o caminho do canto esquerdo do goleiro, que voa e defende parcialmente. Como um foguete o brasileiro Juninho, do Cristal, aparece pra tocar a bola para as redes, mas Dida cresce em sua frente a abafa o chute à queima-roupa. O Mineirão acompanhou o lance com a respiração presa e só voltou a gritar quando a bola foi reposta em jogo. Dez minutos depois, Elivelton apara um rebote e chuta de fora da área ara marcar o gol do título. Dois lances pra nunca se esquecer. Para acelerar o batimento cardíaco até em videoteipe, cinco anos depois…”
* Os Milagres de La Bombonera: Aconteceram num Cruzeiro 2×1 Boca Juniors. Aqui, fica impossível relatar cada um deles. Basta dizer que o Boca esteve na cara do gol para marcar, desses lances límpidos, gols mais do que certos, pelo menos 10 vezes. E, em todas as ocasiões, Dida apareceu para frustrar o ataque argentino. Só assim mesmo para se ganhar no campo do Boca.

Só mesmo com um santo milagreiro como Dida para um time poder incluir em seu currículo a rara proeza de vencer o Boca em sua casa.

Enquanto Dida jogou no Cruzeiro, o time jamais perdeu uma disputa de pênaltis. E elas eram freqüentes na Supercopa, na Copa do Brasil e na Copa Mercosul. Tanto sucesso valeu a Dida a oportunidade de jogar as Olimpíadas de 1996 quando ganhou a medalha de bronze e as copas de 1998 e 2002.

Hoje em dia, mesmo jogando na Europa, no rico Milan, Dida ainda mobiliza a torcida do Cruzeiro que continua sonhando com sua volta. O que seria, sem dúvida, mais um milagre. Dessa vez, um milagre dos cartolas.

Livro: Páginas Heróicas II, novembro de 2003

Extraído do blog Páginas Heróicas Digitais